Associação entre índice glicêmico e carga glicêmica da dieta com a infecção por Helicobacter pylori

Raissa Maria Alves Lima,¹ Helena Alves de Carvalho Sampaio,1 Daianne Cristina Rocha,1 Antônio Augusto Ferreira Carioca,2 Clarice Maria Araújo Chagas Vergara,1 Ticihana Ribeiro de Oliveira,3 Gláucia Posso Lima1

1 Universidade Estadual do Ceará.
2 Universidade de Fortaleza.
3 Centro Universitário Estácio – FIC. Brasil.

Acta Gastroenterol Latinoam 2018;48(4):271-277
Recibido: 06/10/2017 / Aprobado: 16/03/2018 / Publicado en www.actagastro.org el 17/12/2018

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Resumo

Aponta-se uma evidência da associação entre infecção por Helicobacter pylori (Hp) e resistência à insulina. Neste con­texto há implicações da dieta consumida, que deve ter um baixo impacto glicêmico. No entanto, há uma lacuna quanto à avaliação da associação entre índice glicêmico (IG) e carga glicêmica (CG) da dieta com respeito à infecção por Hp, que é o que se pretende investigar neste estudo. Métodos. A amostra foi por conveniência e correspondente a 123 adultos, aten­didos no sistema público de saúde para a realização de en­doscopia digestiva alta. A coleta de dados ocorreu no período de Julho/2012 a Outubro/2013 e abrangeu entrevista para obtenção de dados demográficos, socioeconômicos, clínicos e dietéticos, bem como de antropometria. Resultados. Entre os participantes, 55 (44,72%) eram positivos para Hp. Houve um predomínio de excesso ponderal (61,0%), sem associação com a presença da infecção (p = 0,568). As dietas estavam com IG e CG elevados, respectivamente, em 83,6% e 65,5% dos pacientes positivos para a infecção e em 89,7% e 57,4% dos negativos (p = 0,320 e p = 0,360). Conclusão. Não houve associação entre esta infecção e as variáveis estudadas, mas as dietas de ambos os grupos estavam inadequadas, quanto a determinantes de controle glicêmico dietético.

Palavras-chave. Helicobacter pylori, índice glicêmico, carga glicêmica.

Asociación entre indice glucémico y carga glucémica de la dieta e infección por Helicobacter pylori

Resumen

Se han señalado evidencias de asociación entre la infección por Helicobacter pylori (Hp) y la resistencia a la insulina. En ese contexto hay implicaciones en relación con la dieta consumida, que debe tener un bajo impacto glucémico. Sin embargo, hay escasa evidencia en cuanto a la evaluación de la asociación entre el índice glucémico (IG) y la carga glucémica (CG) de la dieta y la infección por Hp, lo que se pretende investigar en este estudio. Métodos. La muestra fue por conveniencia, y correspondió a 123 adultos, aten­didos en el sistema público de salud para la realización de una endoscopía digestiva alta. Mediante una entrevista, entre julio de 2012 y octubre de 2013, se recolectaron los datos demográficos, socioeconómicos, clínicos y dietéticos, así como la antropometría. Resultados. Entre los participantes, 55 (44,7%) eran positivos para Hp, con exceso de peso el 61,0%, sin asociación con la infección por Hp (p = 0,568). Las dietas estaban con IG y CG elevados en el 83,6% y el 65,5% de los pacientes positivos para la infección y en el 89,7% y el 57,4% de los negativos (p = 0,320 y p = 0,360). Conclusión. No hubo asociación entre la infección por Hp y las variables estudiadas, pero las dietas de ambos grupos eran inadecuadas en cuanto a determinantes de control glucémico dietético.

Palabras claves. Helicobacter pylori, índice glicémico, car­ga glicémica.

Association between glycemic index and glycemic load of diet and infection by Helicobacter pylori

Summary

There has been evidence of association between Helicobacter pylori (Hp) infection and the insulin resistance. In this con­text there are implications related with the diet consumed, which should have a low glycemic impact. However, there is a gap in the evaluation of the association between glycemic index (GI) and glycemic load (CG) of the diet and H. pylo­ri infection, which is intended to investigate in this study. Methods. The sample was for convenience, and correspon­ded to 123 adults, attended in the public health system to perform upper digestive endoscopy. Data collection occurred between July 2012 and October 2013 and included inter­views to obtain demographic, socioeconomic, clinical and dietary data, as well as anthropometry. Results. Among the participants, 55 (44.7%) were positive for H. pylori. There was a predominance of and excess weight (61.0%), without association with the presence of infection (p = 0.568). The diets with GI and CG were high in 83.6% and 65.5% of the positive patients, respectively, and in 89.7% and 57.4% of the negative ones (p = 0.320 and p = 0.360). Conclu­sion. There was no association between this infection and the studied variables, but the diets of both groups were ina­dequate regarding determinants of dietary glycemic control.

Key words. Helicobacter pylori, glycemic index, glycemic load.

Abreviaturas
Hp: Helicobacter pylori.
IG: índice glicêmico.
CG: carga glicêmica.
SUS: Sistema Único de Saúde.
IMC: índice de massa corporal.

Desde a sua identificação, o Helicobacter pylori (Hp) tornou-se alvo de muitos estudos microbiológicos, histo­lógicos, epidemiológicos, imunológicos, ecológicos e clí­nicos, entre outros.1

O Hp foi estabelecido como uma das principais causas da gastrite e da úlcera péptica crônica em adultos e crian­ças.2 É uma bactéria que infecta a mucosa do estômago provocando lesões de gravidade variável, tais como: as cita­das anteriormente e câncer de estômago. Apesar do Hp, ser a causa de amplo espectro de doenças, a maioria dos humanos infectados por ela, não apresentam qualquer tipo de sinto­matologia.3 Porém uma maior prevalência de doenças extra digestivas tem sido relatadas em indivíduos com evidência de infecção por Hp nos últimos anos, como por exemplo, doenças neurológicas4, 5 e doenças hepatobiliares.6, 7

Também há evidências de uma associação entre infec­ção por Hp e resistência à insulina, inflamação crônica, secreção de hormônios peptídeos gástricos e deficiência de secreção de insulina, o que implica em uma predispo­sição à diabetes. No entanto, a fisiopatologia da diabetes é complexa, e muitos outros fatores podem contribuir para este processo após a infecção pelo Hp, como: estilo de vida, alterações no esvaziamento gástrico, dislipidemia, entre outros. Dentre os fatores de risco; as infecções gas­trointestinais e composição da microbiota intestinal vêm sendo as mais destacadas.8, 9

A possível relação supracitada remete a reflexões so­bre as implicações da dieta consumida neste contexto. A dieta é associada tanto à prevenção, como ao controle de diabetes tipo 2. Um dos nutrientes-chave nesta relação é o carboidrato. O índice glicêmico diferencia os carboidra­tos dos alimentos com base no seu potencial em aumentar a resposta glicêmica em relação aos carboidratos de um alimento controle.10

Estudos sugerem que um alto índice glicêmico e carga glicêmica da dieta predisporiam a uma maior taxa pós­-prandial de glicose no sangue e também concentrações de insulina mais altas, que, por conseguinte, aumenta­riam a intolerância à glicose e o risco de eventual diabe­tes tipo 2 ou mesmo agravamento deste, se já instalado.11 Esta relação foi sempre controversa, mas duas revisões sistemáticas concluíram que existe evidência de uma asso­ciação entre índice glicêmico e carga glicêmica dietéticos e risco de diabetes tipo 2, contudo, com considerável he­terogeneidade inexplorada.12, 13

O índice glicêmico (IG) é definido como a área sob uma curva de resposta à glicose. Após haver o consumo de 50g de carboidrato glicêmico (não incluindo as fibras) de um alimento teste, se expressa como percentual de resposta para a mesma quantidade de carboidrato de um alimento padrão (pão branco ou glicose pura), ambos in­geridos pelo mesmo indivíduo.14

A carga glicêmica (CG) quantifica o efeito glicêmico do carboidrato disponível em uma porção de alimento que é geralmente semelhante ao tamanho de uma inges­tão normal. A CG é obtida pela multiplicação da quanti­dade de carboidrato disponível em uma porção, pelo IG do mesmo alimento e depois dividida por 100.15

Há evidências crescentes que realçam o papel impor­tante do controle glicêmico na saúde e na recuperação da doença. O controle da glicose plasmática é especialmente importante para pacientes com condições como a diabe­tes ou o estresse metabólico resultante de uma doença crítica ou de uma cirurgia. Estes pacientes têm a neces­sidade de um controle glicêmico para ajudar a diminuir a instabilidade da mesma e suas consequências negativas para a saúde.16

Diante do exposto e considerando que há uma lacu­na quanto à avaliação da relação entre índice glicêmico e infecção por Hp, o objetivo deste estudo é avaliar se existe associação entre estas variáveis.

Métodos

O presente estudo é parte da pesquisa “Hp, grelina, de apetite e peso corporal: efeitos da presença e da erradica­ção do microrganismo em pacientes do Sistema Único de Saúde”, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvol­vimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob o número 483302/2011-2.

O estudo foi desenvolvido em uma unidade de aten­dimento terciário, que atende pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). A população do estudo foi constituída por pacientes do SUS atendidos no setor de ambulatório do local citado. A amostra do presente estudo foi por con­veniência, e correspondeu a 123 adultos, que buscaram o serviço de endoscopia da unidade para a realização de en­doscopia digestiva alta. Foram incluídos os pacientes do SUS, adultos de 20 a 59 anos de idade, de ambos os sexos e foram excluídos idosos, crianças e gestantes, além das pes­soas que estivessem utilizando medicação à base de inibidor de bomba de prótons, pois esta medicação pode mascarar o resultado em relação à presença do microrganismo.

A coleta de dados ocorreu no período de Julho/2012 a Outubro/2013 e abrangeu uma entrevista para obtenção de dados demográficos, socioeconômicos, clínicos e die­téticos, bem como antropométricos (peso e altura). Para obtenção das medidas de peso e altura, na pesquisa foi realizado o procedimento normatizado,17 utilizando-se balança antropométrica, da marca Balmak, com capaci­dade de 200 kg, e com intervalo de 100 g e 2,00 m, com intervalo de 1,0cm. A partir dos dados de peso e altura, foi calculado o índice de massa corporal – IMC (kg/m2), para categorizar o estado nutricional dos participantes.18

Contudo para a investigação da presença de Hp, os pacientes estiveram em jejum absoluto de 6 horas e de 8 horas para produtos lácteos. Para a realização de endosco­pia digestiva alta, foram colhidos com pinça endoscópica, 3 fragmentos do antro, com o auxílio de uma agulha des­cartável, e esses foram transferidos diretamente ao tubo de ensaio contendo a solução de uréase URETEST®, e guardado em um ambiente aproximadamente de 36ºC. A verificação do resultado foi realizada após 24 horas. O paciente foi considerado Helicobacter pylori positivo, no caso que o teste da uréase acusasse a presença do micror­ganismo, que segundo o fabricante é demonstrada pela mudança de coloração da solução, de amarelo a verme­lho. Assim, os participantes foram distribuídos em dois grupos: Helicobacter pylori positivo (Hp +) e Helicobac­ter pylori negativo (Hp -). O grupo negativo (Hp -) foi constituído de voluntários sem tratamento prévio para a erradicação da bactéria.

Os dados referentes ao consumo alimentar foram obti­dos por meio de dois recordatórios alimentares de 24 horas (um referente aos dias de semana e um referente ao fim de semana) seguindo recomendações da literatura quanto ao número mínimo de recordatórios e quanto à necessidade de investigar dias de consumo não habituais.19 Os dados foram inseridos no software DietWin Profissional 2.0 para a análise de calorias e macronutrientes.

O cálculo de índice glicêmico e carga glicêmica dietética foi realizado segundo o protocolo:15

  • Identificação do total de carboidrato (em gramas) de cada alimento consumido habitualmente pelo paciente, bem como da quantidade de fibra (em gramas);
  • Determinação do carboidrato glicêmico (em gra­mas) de cada alimento consumido, a partir da subtração do total de carboidrato pelo total de fibra do alimento;
  • Localização do índice glicêmico de cada alimento em tabelas específicas de IG, considerando dados que uti­lizaram a glicose pura como referência;15
  • Determinação da proporção de carboidrato glicêmico de cada alimento em relação ao total de carboidrato glicêmi­co da dieta (obtido pela divisão entre o carboidrato glicêmi­co do alimento e o carboidrato glicêmico total diário);
  • Multiplicação do índice glicêmico de cada alimento (também considerando a glicose pura como referência) pela proporção de seu carboidrato glicêmico em relação ao carboidrato glicêmico total da dieta;
  • Realização da somatória dos números obtidos.

As dietas foram categorizadas em baixo, médio ou alto índice glicêmico, também segundo sua classificação,15 que estabelecem: baixo IG < 55; IG moderado de 56 a 69 e alto IG ≥ 70, considerando-se adequadas as dietas de baixo IG. Houve um seguimento com a categorização das dietas como sendo de baixa, moderada ou alta carga glicê­mica, de acordo se essas tivessem o CG sendo menor que 80, de 80 a 120 e maior que 120, respectivamente,20 consideran­do-se adequadas as dietas de baixa carga glicêmica.

A análise estatística foi efetuada através do programa es­tatístico SPSS (Statistical Program of Social Science), versão 20.0. As variáveis de categoria foram analisadas pelo teste Qui-quadrado. Foi realizado um teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. e foi utilizado o teste t de Student para comparar as médias de IG e CG, em relação à presença e ausência da infecção pelo Hp. Para todos os testes foi ado­tado p < 0,05 como nível de significância.

O projeto foi delineado conforme a Resolução 196/1996 do Ministério da Saúde,21 vigente na época do delineamento do estudo e que regulamenta o desenvol­vimento de pesquisas com seres humanos. O mesmo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesqui­sa com Seres Humanos da Instituição responsável pelo estudo, sob o número 11582611-4 e a coleta de dados apenas foi iniciada após a aprovação deste comitê. Os par­ticipantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, anuindo sua participação no estudo.

Resultados

Entre os 123 participantes, 68 (55,28%) deram nega­tivos e 55 (44,72%) deram positivos para Hp.

A Tabela 1 exibe a caracterização dos participan­tes quanto a variáveis demográficas, socioeconômicas e quanto ao estado nutricional. Observa-se um predomínio de mulheres, com baixa escolaridade, baixos rendimentos e excesso ponderal (sobrepeso e obesidade). A idade mé­dia dos participantes foi de 40,99 anos e a renda média familiar foi de 2,18 salários mínimos. A média de IMC foi 26,96 kg/m2.

A Tabela 2 exibe a distribuição dos pacientes segun­do seu estado nutricional e a presença de Hp. Observa-se que não há diferença entre portadores e não portadores da infecção, segundo a presença ou não de excesso de peso (Tabela 3). A Distribuição dos pacientes estudados segundo classificação da carga glicêmica (Tabela 4).

A Tabela 5 mostra a distribuição dos pacientes ava­liados segundo as médias de IG e CG e a presença da infecção pelo Hp. Observa-se que não há diferença de IG e de CG nas dietas dos dois grupos, também avaliando estas variáveis como contínuas.

Tabela 1. Caracterização dos pacientes avaliados quanto a variáveis demográficas, socioeconômicas e estado nutricional.

Tabela 2. Distribuição dos pacientes estudados segundo seu estado nutricional e infecção pelo Hp.

Tabela 3. Distribuição dos pacientes estudados segundo a classificação do índice glicêmico.

Tabela 4. Distribuição dos pacientes estudados segundo a classificação da carga glicêmica.

Tabela 5. Distribuição dos pacientes estudados segundo mé­dias (desvio-padrão) do índice glicêmico e carga glicêmica da dieta e infecção pelo H. pylori.

Discussão

Abordando inicialmente os resultados da soropositivi­dade, os que foram achados se encontram abaixo da pre­valência global e brasileira.22 Mas no presente estudo não se buscou distribuição representativa de tal prevalência e a entrada dos pacientes no estudo ocorria de acordo com a procura pelo Serviço no período de coleta de dados citado.

Houve também um estudo realizado em Fortaleza, cuja prevalência da infecção pelo Hp foi avaliada em 610 moradores de uma comunidade urbana de baixa renda, resultou que 62,9% (384) tinham Hp.23 No entanto, este grupo de autores incluiu a população de renda mais baixa, 0,5 salário mínimo mensal, enquanto neste presen­te estudo a renda avaliada era de 2,18 salários mínimos.

Estudiosos investigaram a soroprevalência de Hp em 48 pacientes atendidos em um ambulatório de gastroente­rologia, em Blumenau (SC), encontrando apenas 33,3% com a bactéria e havendo predomínio de pessoas que gan­havam mais de 4 salários mínimos.24

Em 2011 foi realizado um estudo que avaliou a preva­lência de Hp em 144 pacientes dispépticos submetidos à endoscopia digestiva alta por meio do teste da uréase em consultório médico no município de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina. Foram encontrados apenas 25% de pa­cientes positivos, confirmando que a prevalência da infecção está relacionada com a situação socioeconômica.25

Em relação às variáveis demográficas, em um estudo realizado em Santa Catarina, em um ambulatório de es­pecialidade do Sistema Único de Saúde (SUS), com 48 participantes, se obteve que a média de idade foi de 44,2 anos, mediana de 44,5 anos e desvio padrão de 13,5. Com relação ao sexo, 17 (35,4%) dos indivíduos eram do sexo masculino e 31 (64,6%) do sexo feminino.24

Considerando a caracterização do grupo estudado, vale fazer uma referência ao estudo retrospectivo, com 3039 indivíduos asiáticos. A idade média dos participan­tes foi de 49 anos, sendo maior que a encontrada nes­se estudo, 248 (8,2%) eram do sexo feminino, também divergindo dos dados aqui apresentados, com 69,9% de participantes do sexo feminino.26 No mesmo estudo foi observada a relação da infecção pela bactéria com esta­do nutricional, detectando-se prevalência de infecção de 54,6% nos indivíduos obesos, diferindo do encontrado neste trabalho, onde 48% dos infectados apresentam-se com excesso ponderal (sobrepesados/obesidade). O IMC médio detectado pelos autores foi de 24,5 kg/m2, sendo menor que o encontrado no presente estudo. Mesmo com estes resultados diferentes e tendo incluído amos­tra bem maior, os autores não encontraram associação significativa entre Hp e obesidade (p > 0,05), que corro­bore com os presentes achados.26

Existem evidências indiretas, como menor IMC e adi­posidade em pessoas infectadas com Hp em comparação às pessoas não infectadas, coincidindo com os níveis mais baixos de grelina, hormônio que proporciona sensação de fome, em indivíduos infectados. Estes níveis aumentam após a erradicação, sugerindo que o microrganismo pode atuar como agente de prevenção da obesidade. Entretan­to, se existe realmente uma relação causal entre a redução da prevalência da infecção pelo Hp e aumento das taxas de obesidade, é ainda um tópico altamente controverso.27 De qualquer forma, esta relação, se comprovada, não traz utilidade prática, pois não haverá um incentivo perma­nência da infecção como estratégia de combate à obesi­dade. Mesmo assim, caso confirmada a relação, deve-se incentivar condutas preventivas de ganho ponderal para pacientes em tratamento para a erradicação da infecção. O fato de não haver significância estatística das diferenças aqui encontradas, pode ter sido por sofrer influência no tamanho da amostra.

Um estudo evidenciou que a presença de Hp e sua erradicação não influenciaram a ingestão alimentar e os pacientes com Hp erradicado apresentaram maior pro­porção de excesso ponderal em relação aos outros grupos avaliados.28

Outros autores confirmaram, em estudo de revisão, que publicações sugeriram que o ganho de peso pode ocorrer após a antibioticoterapia visando a erradicação do Hp, e que a prevalência de colonização gástrica por Hp em vários países está inversamente relacionada com a pre­valência de obesidade.29

Estudos citam a relação entre Hp e resistência à insu­lina, uma condição envolvida em uma série de alterações. Um estudo relatou associação significativa entre infecção por Hp e diabetes ao estudar 1285 indivíduos entre 19 e 85 anos.30 Da mesma forma, outros autores mostraram como a infecção por Hp piora significativamente o con­trole glicêmico em pacientes com diabetes.31 Além desses, outros autores investigaram um possível papel de Hp na resistência à insulina, como um estudo que detectou não apenas uma maior prevalência de Hp em pacientes com diabetes, mas também uma associação positiva com a re­sistência à insulina.32

Concordando com os dados supracitados, um estudo retrospectivo, com 782 participantes, sugeriu que a soro positividade para Hp foi significativamente maior em in­divíduos que desenvolveram diabetes do que nos que não desenvolveram.33 Subsidiando esse estudo, pode ser cita­do o trabalho que propõe uma relação entre a infecção por Hp e os níveis de proteína C reativa (PCR), interleu­cina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), que são marcadores de inflamação, podendo ocasionar resistência insulínica.34

Estabelecendo uma relação da homeostase da glicose com o IG e CG dietéticos, pesquisadores realizaram uma análise de regressão multivariada em 3918 adultos com idade entre 23-69 anos. Os participantes com IG e CG mais altos na dieta apresentaram um aumento de: apro­ximadamente 9% na glicemia plasmática de jejum, 11% na hemoglobina glicada, 12% maior nível de insulina e 28% maior resistência à insulina hepática em comparação com os de IG e CG mais baixos (p ≤ 0,04). Além disso, um maior IG ou CG dietéticos foi associado a maiores probabilidades de pré-diabetes (p = 0,03).35

Abordando o aspecto da erradicação, uma revisão de literatura apontou uma associação consistente entre Hp e b a resistência à insulina, tendo a erradicação evitado essa anormalidade metabólica comum.36

No presente estudo não foi investigada a presença de resistência insulínica, mas houve alta proporção de pa­cientes com IG e CG inadequados, principalmente em relação ao IG, favorecendo o desenvolvimento desta al­teração. Não houve diferença significante comparando portadores e não portadores da infecção, o que pode ter sofrido influência tanto do tamanho da amostra, como do fato de que a grande maioria de ambos os grupos esti­vessem com uma dieta de inadequado IG. A homogenei­dade das dietas quanto a este indicador mascara a presen­ça de algum tipo de associação. Em outros dois estudos, envolvendo esta temática, realizados na região, um grupo populacional diferente, foi avaliado mas também atendi­do pelo sistema público de saúde e os autores destacaram a monotonia do hábito alimentar da região como fator de influência aos achados.37, 38

Mesmo com estas limitações, este é o primeiro estudo a avaliar, de forma direta, a associação do IG e CG dieté­ticos com a presença de infecção pelo Hp. Ainda que não tenha sido demonstrada qualquer associação, o estudo de­monstra a relevância de se ampliar estudos sobre a temá­tica, com maior número amostral, avaliando marcadores de resistência à insulina e comparando situações prévias e posteriores à erradicação. Tais estudos contribuirão para que se adotem ações educativas dietéticas tanto para por­tadores, como não portadores desta infecção. Destaque-se ainda que independente da inter-relação entre as variáveis avaliadas, os dois grupos exibiram alta prevalência de ex­cesso ponderal e de IG e CG inadequados, requerendo ações de intervenção.

O estudo apontou a alta prevalência de dietas inade­quadas quanto a IG e CG entre portadores e não porta­dores de infecção pelo Hp. Não houve associação entre esta infecção e as variáveis estudadas.

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Correspondência: Raissa Maria Alves Lima
Avenida João Pessoa 5819, bl. A4, apto. 01 (CEP:60425-685). Montese, Fortaleza – CE, Brasil
Tel.: (85) 3232-1271
Correo electrónico: raissamlima@yahoo.com.br

Acta Gastroenterol Latinoam 2018;48(4):271-277

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